quinta-feira, 31 de maio de 2012
Num jantar social, dos raros a que vou, e que guardo na memória com gosto, fui encaixado entre duas jovens senhoras. Sabendo eu que o anfitrião, todo ele protocolar e palaciano, não dá ponto sem nó, calculei logo haver afinidades entre nós os três. Confrontado com os nomes — ilustres, mas de paragens distantes — das bonitas vizinhas de mesa, não vislumbrei qualquer ligação a mim, nem à minha gente. Estranhei então que se referissem ambas a antepassados meus, com familiaridade, contando episódios do Alentejo de outras eras. Depois de vários exercícios de ginástica mental da minha parte, solitários e sem sucesso, não hesitei mais e perguntei-lhes quem eram. Afinal, tratava-se de irmãs — uma loira, outra morena —, e de uma família que conviveu com a minha ao longo de várias gerações; mas, como ostentavam orgulhosamente os apelidos dos senhores seus maridos, longe estava eu de poder adivinhar quem seriam. Tudo isto me levou a concluir, mais uma vez, que triste é este hábito, introduzido pelo Liberalismo e consagrado pela República, de as senhoras adoptarem o nome dos maridos e de deixarem cair o do seu sangue — de pai, mãe, e avós. Assim, arriscamo-nos a falar uma noite inteira com primas sem o saber. Mudem lá isso!
DASABAFO HISTÓRICO-SOCIOLÓGICO
Detesto o facto mundano de as mulheres adoptarem e usarem os apelidos dos maridos (mais um mau hábito introduzido pelo Liberalismo em meados do século XIX), na medida em essa prática corriqueira me troca as voltas nas deduções genealógicas. Isto é: fico sem saber «quem é quem».
MODERNICES OU PASSADICES
Recebo um mail proveniente de alguém que, aparentemente, não conheço. De seguida, atendo um telefonema indignado: «— Então?!... Não me ligas nenhuma!». Reconheço-a pela voz. Esta velha amiga tem por hábito adoptar os apelidos dos sucessivos maridos. É para aí o quinto nome com que se me (re)apresenta. O mais curioso é que mantém sempre também os apelidos dos anteriores maridos após os divórcios. Assim, o seu nome completo assemelha-se ao de uma senhora da alta nobreza do século XVIII.
terça-feira, 29 de maio de 2012
(PRE)CONCEITOS — 2
Nada tenho contra os ignorantes, mas sinto desprezo — por esses sim! — pelos que fingem saber e se recusam a aprender.
(PRE)CONCEITOS — 1
Nada tenho contra os que pensam de uma forma diferente da minha, mas repugnam-me — esses sim! — os que não têm ideias próprias.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
DA AMIZADE
Mais do que a partilha de recordações únicas, o que une os verdadeiros amigos é a partilha de um sentido de humor inacessível aos demais.
domingo, 27 de maio de 2012
DO SENTIDO DO HUMOR
Considero a ironia como a mais elevada forma de humor. Infelizmente, esta arte é quase totalmente estranha ao português médio dos dias de hoje, o qual só solta o riso com larachas brejeiras. Porém, volta e meia, vale a pena continuar a insistir nela. Água mole...
sábado, 26 de maio de 2012
DO SENTIDO DA ARTE
Se, por um lado, acredito na Arte que serena e tranquiliza, por outro, sou todo do lado da Arte que fascina desassossegando. Terrível família estética esta, à qual pertenço, em que o Belo não é o bonito nem o giro.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
CARTEIRA DE SENHORA
DIA 17
Não sei porquê, mas hoje pareceu-me que a carteira deixou que encontrasse o tema mais facilmente, enquanto disfarçava um sorriso entre o desdenhoso e o trocista. Deve ter-me achado inapta.
Está cientificamente comprovado que o
português tem um gosto e um fascínio muito especial por máquinas. Seja qual for
a espécie, género ou família. Do multibanco ao telemóvel, passando pelo
computador e a Bimby ou até aquelas
engenhocas multifacetadas que uns senhores sempre demasiado sorridentes e extremamente
convincentes impingem nos programas de vendas a altas horas da madrugada.
Gosta tanto, mas tanto, que as inventa, e é muito bom nesse ofício. Os prémios nos concursos internacionais de inventores, de menção honrosa para cima, confirmam o jeito. A primeira ou segunda ceifeira-debulhadora em Portugal foi trazida por um querido tio-avô, não tanto para a pôr a uso, mas porque teve a certeza absoluta de que faria melhor… Tentou a vida toda.
Claro que há as excepções, os anti
máquinas, os alérgicos às ditas e os desprovidos de qualquer apetência mecânica,
mas são excepções, olhados de cima a baixo como uns coitadinhos. Aliás os maquino-dependentes
adoram a ocasião de lhes demonstrar os seus conhecimentos altamente
especializados seja no aspirador seja no Ipad.
São os seus quinze minutos…
Gosta de máquinas, mas não gosta de manuais. Manuais são coisa de fraco e não se pode dar parte disso. Atira-se às máquinas sem pensar, e só in extremis procura disfarçadamente o manual que encafuou num sítio já não sabe bem qual.
Em geral, as máquinas foram
inventadas para facilitar o trabalho do homem. Ninguém contesta esse facto.
Contudo, há máquinas que substituem um trabalho manual mas depois dão outro. Basta
pensar nas maquinetas de cozinha que no fim se têm de desmontar quase peça a
peça para serem lavadas…
Todas as máquinas são celestiais até ao dia em que carregamos no botão e a única resposta é a inércia. Entra em cena o pânico e em segundos são adjectivadas como infernais. Diabólicas, até.
Se ainda decorre o prazo da garantia,
a solução é mais ou menos fácil, dependendo da distância a percorrer até ao
sítio onde foi comprada e do tamanho da máquina.
Caso contrário, o português tenta as soluções caseiras, numa escala que começa no abanão, inclui o murro e acaba na desmontagem e remontagem, sempre com peças sobrantes. Os mais engenhosos arranjam uma solução, considerada brilhante, com peças das mais estranhas proveniências, como molas da roupa ou cordéis a segurar uma peça solta.
Fatalmente as máquinas acabam na
sucata, mas percorrem um longo caminho até ao seu destino final, porque não nos
queremos desfazer delas assim, do pé para a mão, sem tentar tudo para que saiam
do coma. As molas de roupa são tentativas desesperadas de reanimação. Afinal,
não contando com aquelas que nos pareciam fascinantes mas na verdade não servem
para nada, não conseguimos viver sem elas.
Todas as máquinas deviam ter um aviso
como o dos maços de tabaco: Atenção, esta
máquina provoca dependência.
Leonor Martins de Carvalho
quinta-feira, 24 de maio de 2012
BOM SOM
Nunca tive pachorra para a chamada «música de fusão», a qual sempre me pareceu uma mixórdia sem qualquer personalidade. Lembra-me sempre aquelas pessoas que só bebem cocktails e que nunca terão o prazer de saborear algo puro. Contudo, os Dead Combo são um caso à parte. Com o som deles chega-me o sedutor aroma complexo do Jazz e sinto na pele a sensual descarga eléctrica do Rock. E, mais além, pontuando tudo, diria eu, é Lisboa e Tejo e tudo que me vem à mente, em caleidoscópicas e hipnóticas, mas serenas, imagens.
DÚVIDA ARQUITECTÓNICA
Manuel da Maia riscou a Lisboa do século XVIII, Ressano Garcia traçou a Lisboa do século XIX, Duarte Pacheco fez a Lisboa do século XX. Quem desenhará a Lisboa do século XXI?
terça-feira, 22 de maio de 2012
DO PRIMADO DO CONHECIMENTO SOBRE A IGNORÂNCIA
Na televisão estão sempre os mesmos a falar sobre todos os assuntos e mais alguns. Na blogosfera os autores só tratam temas que dominam. Por estas e por outras já faltou mais para as pessoas trocarem definitivamente os primeiros ecrãs pelos segundos. E, seguidamente, abandonarem o sossego do sofá e enveredarem pela luta na rua. Aí é que vão ser elas. Quando me falam em «brandos costumes» penso logo na Maria da Fonte.
DAS CAUSAS DAS COISAS
Para compreender os sinistros tempos que vivemos actualmente neste desgraçado País é necessário conhecer o nosso século XIX, pois reside aí a raiz de todo o mal público, que não do cultural. Vem isto a propósito de andar eu entretido a reler pela enésima vez A Revolução Liberal (1834 - 1836) — Os Devoristas, de Vasco Pulido Valente. Está lá tudo explicadinho — tintim-por-tintim. Depois, basta olhar à volta e ver como a História, infelizmente, se repete. Leia-se, pois, enquanto ainda é tempo de arrepiar caminho.
segunda-feira, 21 de maio de 2012
MAIS UM LUGAR NA REDE
Convido todos os leitores do Eternas Saudades do Futuro a porem nos seus favoritos o meu website que está a ser construído pela Oficina do Site.
sábado, 19 de maio de 2012
sexta-feira, 18 de maio de 2012
CARTEIRA DE SENHORA
DIA
16
Temos, pois, memória selectiva cujos critérios variam consoante o seleccionador, mas alguns, sortudos (ou não), têm memória de elefante, conseguindo ter todos os jogadores à mão. Outros ainda têm a famigerada memória curta de que a política tanto se serve.
Leonor Martins de Carvalho
A
carteira manteve-se fechada toda a semana. Não me deixava procurar nem dizia
uma palavra. Andava eu já desesperada, porque afinal a crónica é dela, mas sou
utilizada abusivamente neste processo e tenho prazo para cumprir. Até que
quinta-feira, no próprio dia da entrega do texto, se lembra de falar em
memórias. Não sei o que lhe passou pela cabeça, porque é tema para tratados
maçudos encaixotados em calhamaços, não de crónicas blogueiras.
As
memórias crescem connosco mas não exactamente na mesma proporção. Podiam
acumular-se, mas não. Aos sete anos ainda nos lembramos de memórias dos cinco,
mas aos quinze já não são essas as que ficaram. Somos uma dispensa com número limitado
de prateleiras que só aguentam com alguns pacotes de memórias ao mesmo tempo. As
restantes vão desaparecendo por falta de espaço, ou então estão na arrecadação
da cave, da qual perdemos a chave do cadeado.
Temos, pois, memória selectiva cujos critérios variam consoante o seleccionador, mas alguns, sortudos (ou não), têm memória de elefante, conseguindo ter todos os jogadores à mão. Outros ainda têm a famigerada memória curta de que a política tanto se serve.
Certas
memórias selectivas e todas as de elefante podem ser um problema. Tomam conta
das suas próprias memórias mas também das que partilham com outros, e logo para
nosso azar, normalmente daquelas lembranças que, se ainda não esquecemos,
queríamos que tivessem sido condenadas à pena de morte. Fazem essas víboras
questão de nos lembrar essas proscritas em todas as ocasiões.
Das
recordações mais longínquas só retivemos as de grande impacto emocional. As que
nos fizeram chorar, espantar ou sorrir de arrebatamento. É por isso que uns têm
lembranças mais antigas do que outros. Às vezes as memórias de infância já só
nos chegam em sonhos: depois de os contar, percebi que alguns dos meus pesadelos
recorrentes na adolescência afinal eram memórias de menina assustada.
Na
prateleira de canto da dispensa, guardamos as que estão ligadas aos sentidos. Memórias
de cheiros, sons, sabores, paisagens ou toques, estão sempre lá, dormindo um
sono leve, e acordam da sesta ao mínimo roçagar.
Para
além das memórias nossas, há o ritual de passagem das memórias da família, as de
cada um dos pais, dos avós, dos “antigos”. Normalmente são histórias terríveis
ou então as anedóticas. Por mais estranho que pareça, aqui andam de namorico o
horror e a risota.
Numa
prateleira diferente conservamos ainda as memórias da aldeia, vila ou cidade
(embora aqui mais as do bairro). As histórias e memórias dos outros e da vida
em comunidade passam também de geração em geração. Contam-se e recontam-se essas
lembranças nas conversas de Inverno à lareira, nos bancos do largo da Igreja ou
nas festas de Verão, que sempre fazem lembrar outras.
Por
fim, a chamada prateleira patriótica, enfeitada por alguns mais entusiastas com
bandeiras e altifalantes a jorrar o hino, onde guardamos as memórias da nação,
a nossa história comum, o ontem do nosso porvir.
Nestas
alturas em que as turbulências financeiras fazem antever o emergir de outras
turbulências, a pouco e pouco a nossa mente vai acordando memórias que não são
nossas, antes pedaços de memórias de outros, noutros tempos, noutros lugares, legados
longínquos, ecos apavorados de histórias. Como se adivinhássemos o que vamos passar.
Como se o tivéssemos vivido, nós.
Devíamos
saber que sem memórias nossas, dos nossos, da comunidade e da nação deixamos de
ser gente, povo e país. Portugal foi, é e será o conjunto dessas nossas
memórias.
Somos
os seus guardiões e não podemos pois deixar que esvaziem a prateleira das
memórias de Portugal, ou desaparecemos no mapa das memórias de outros.
Leonor Martins de Carvalho
segunda-feira, 14 de maio de 2012
ASCENSÃO E QUEDA DA REDE SOCIAL
Por manifesta falta de tempo, e também de ausência de pachorra para a coisa, e ainda de enjôo provocado pela mesma, «suspendi temporariamente» (é assim que se diz em linguagem oficial do meio) a minha conta na popular rede social, no passado dia 25 de Janeiro. Aproveito para avisar os meus leitores da blogosfera que esse simples acto foi um verdadeiro 31! Tive de seguir um autêntico manual de instruções para descobrir a porta de saída e, de seguida, ainda precisei de preencher um formulário, à laia de inquérito de um estado totalitário, para finalmente me sentir (temporariamente...!) livre. Imagino a carga de trabalhos que não será necessária para abandonar definitivamente aquele pântano.
De qualquer forma, como gosto de aprender com todas as situações, retirei imensos ensinamentos das minhas andanças por aqueles labirintos. Aliás, tenciono, calmamente, e logo que possível, ir alinhavando aqui alguns pensamentos sobre aquela telenovela virtual.
A primeira ideia que me ocorre é que estamos perante um sítio que faz lembrar os lugares da noite dos saudosos anos 80. Quando abriam, e durante o primeiro ano, eram óptimos, porque só tinham pessoas conhecidas, isto é, os nossos amigos. No segundo ano, começavam a aparecer caras novas, mas bonitas, o que nos fazia continuar a frequentar o local. No terceiro ano, estando na pista a dançar, olhávamos em volta e sentíamos, subitamente, que aquele espaço, outrora familiar, tinha sido invadido pelos bárbaros.
De qualquer forma, como gosto de aprender com todas as situações, retirei imensos ensinamentos das minhas andanças por aqueles labirintos. Aliás, tenciono, calmamente, e logo que possível, ir alinhavando aqui alguns pensamentos sobre aquela telenovela virtual.
A primeira ideia que me ocorre é que estamos perante um sítio que faz lembrar os lugares da noite dos saudosos anos 80. Quando abriam, e durante o primeiro ano, eram óptimos, porque só tinham pessoas conhecidas, isto é, os nossos amigos. No segundo ano, começavam a aparecer caras novas, mas bonitas, o que nos fazia continuar a frequentar o local. No terceiro ano, estando na pista a dançar, olhávamos em volta e sentíamos, subitamente, que aquele espaço, outrora familiar, tinha sido invadido pelos bárbaros.
domingo, 13 de maio de 2012
UM CASO PERDIDO PARA A SOCIEDADE DE CONSUMO
Deleito-me com o visionamento de filmes publicitários. Fazem-me lembrar os bons velhos tempos do Cinema Mudo, com a sua sintética e simbólica linguagem de imagens em movimento, sem andar a reboque dos diálogos. Contudo, nunca fixo os produtos que essas curtas narrativas tentam impingir. Também me está cá a parecer que não serei o típico target de nenhum desses spots, pois não é fácil encaixar-me em «públicos-alvo», ou lá o que é.
DA VANTAGEM DA INTERNET SOBRE OS MEDIA CONVENCIONAIS NA COMUNICAÇÃO
Quando quero conhecer a opinião de alguma figura pública leio-a directamente no seu site ou blogue e dispenso o irritante e triste espectáculo dado pelos jornalistas a fazerem-lhe perguntas — tão intermináveis quanto estúpidas — para depois rematarem com imbecis conclusões.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
CARTEIRA DE SENHORA
DIA 15
A
carteira acusou o toque e percebeu que não posso estar constantemente a nadar
em águas mesmo que vagamente políticas. Não é mesmo nada bom para a saúde.
Assim, passou-me outra coisa corriqueira.
Já
aqui disse que sou funcionária pública. Nem sempre fui, e quando comecei a
trabalhar a sério (obviamente que estou a descontar aqueles trabalhos de fim de
semana, quando ainda estudante, para juntar uns trocos), o que mais me
atrapalhava eram as cartas.
Os
números, desde que se conheça o universo onde navegam, dão trabalho mas não é
preciso cerimónias. Não se importam nada que os tratemos mal. Podemos somar,
subtrair, multiplicar, dividir, calcular médias, para eles é uma eterna brincadeira.
Estão sempre bem-dispostos, adoram que brinquemos com eles e pelam-se por nos pregar
partidas.
Agora
as cartas…
Não
fazia parte do pacote universitário aprender a distinguir o grau de cerimónia exigido
e qual se aplicava a quem. Com vinte e poucos anos só tinha ainda escrito
cartas a amigos ou família. De repente, deparo-me com o universo do vocabulário
epistolar comercial para mim até aí desconhecido, um verdadeiro extraterrestre,
que incluía palavras como solicitar, comunicar, informar, anexo, ou expressões
como venho por este meio, na sequência de, e - a conclusão,
senhores, a conclusão! – com respeitosos ou melhores cumprimentos, atentamente,
atenciosamente, cordialmente ou subscrevo-me com elevada estima e
consideração.
Nunca
como ali usei tanto o V. Exª (por alguns alcunhado de Vexa, pronunciado vecha para quem não saiba). Era ao ritmo
de um por frase. Já não sou do tempo do de
V. Exª venerando e obrigado, mas a cerimónia fazia parte.
Nada
tinha ou tenho contra, antes pelo contrário, se há coisa que me enerva são
aqueles anúncios ou folhetos de empresas que me tratam por tu. À primeira penso
que se devem ter enganado na caixa de correio e que invadi a privacidade de
alguém sem querer, até perceber que alguém quer invadir a minha.
Escrever
cartas comerciais revelou-se um exercício delicado. Valeu-me ter de escrever
poucas e haver por onde copiar, mas mesmo assim as dúvidas persistiam. Lembro
que não havia na altura computadores assim, como se fossem blocos de notas
descartáveis. Um gigante lento, com direito à sua própria secretária, era
partilhado por vários, à vez. Sim, sou desse tempo.
A transição
para aquilo que o funcionalismo público chama, de forma ora paternalista ora desdenhosa,
“a privada”, não foi e continua, após vinte e quatro anos, a não ser fácil.
Continuo
a brincar com os meus companheiros números que apenas navegam noutro oceano, e
rapidamente aprendi a conhecer todos os seus segredos, correntes e monstros
incluídos.
Já
com a parte escrita a história é diferente.
A algum
do tal vocabulário epistolar comercial foi concedida equivalência e transitou
de um lado para o outro mas surpreendeu-me existirem nomes distintos ao que a
mim me pareciam as mesmas coisas. Não se escrevem cartas, escrevem-se ofícios.
Um memorando é uma comunicação interna. Um relatório toma a forma de
informação.
Não
são só os nomes que são diferentes. A forma de redigir e algum do vocabulário
são especiais, únicos diria. Demorei a perceber que teria de guardar na gaveta
os dois anos de “privada” e ao fim destes anos de “pública” ainda tenho dúvidas
sobre se estou no tom certo, quando escrevo.
Noutras
alturas já cheguei a pensar se a linguagem específica não seria uma forma de
tortura, porque às vezes a formatação é tão rígida que me qualifica como uma
mestiça de robô comigo própria.
Um
dia vou dar por mim a escrever uma crónica como se estivesse a escrever um
ofício. Nessa altura, queiram fazer o favor de me avisar por carta. Pode ser
informal.
Leonor Martins de Carvalho
quarta-feira, 9 de maio de 2012
terça-feira, 8 de maio de 2012
DA MÚSICA E DA PALAVRA
Nada existe de mais inspirador para a escrita do que a audição de música instrumental.
DO ÁUDIO E DO VISUAL
Nada existe de mais inspirador para a criação de imagens do que a audição de música instrumental.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
CARTEIRA DE SENHORA
DIA 14
Não quis acreditar no que a carteira
me estendia e rapidamente tentei reparar o estrago, voltando a pôr a mão lá
dentro para ver se saía outro tema. Fechou-se secamente, deixando-me
angustiada.
Era linda a princesinha fenícia…
Tão bela era Europa que Zeus esqueceu
Hera e, usando de astúcia, levou a princesa para Creta no seu magnífico dorso de
touro branco.
Os anos passaram e embora lhe tenha
sido concedida imortalidade o pacote não incluía a eterna juventude. As
inúmeras guerras foram marcando com cicatrizes todo o corpo de Europa. Acumulou
estrias com as muitas dietas “iô-iô” que essas guerras a obrigavam a fazer. As
rugas também não faltaram ao encontro dos séculos, encarquilhando os seus
estonteantes olhos e apetecível boca. Nem assim deixou de ser bela.
Atrás dela andou o pequenino mas galã
Japão, filho de Ásia e mais velho, que, orgulhoso, não se declarava e assim era
ignorado. Para engolir a frustração gerada por si próprio, Japão entregou-se ao
trabalho com afinco e nunca mais pensou noutra coisa. Mesmo assim, volta não
volta, para lhe chamar a atenção, inunda a casa da sua princesa com todos os
produtos do seu árduo labor.
Entretanto, no horizonte de Europa,
mesmo defronte dos seus olhos feiticeiros, surgiu um menino lindo que crescia
livre. Chamava-se Estados Unidos, e era um filho de América. Fez-se homem belo
e poderoso e Europa, entre a paixão e a inveja, decidiu usar a arma da sedução
como Zeus fizera consigo muitos séculos antes.
Após consulta afincada em todas as
enciclopédias, da Britannica ao Larousse passando pela Luso-Brasileira, visitas
a alfarrabistas, e demoradas pesquisas nas novas tecnologias, optou então pela
solução que lhe pareceu mais eficaz para tentar controlar o seu corpo: cosmética
e cirurgias plásticas.
Começou por fazer logo seis operações
(não desvendarei nunca quais), depois mais três séries de três injecções de botox. Como não ficasse contente com os
resultados, de uma assentada fez mais dez intervenções, tão inconfessáveis como
as primeiras seis. Com as últimas duas, experiências de Leste, já vai em vinte
e sete, e pensa dar ainda mais um retoque daqui a dois verões.
O rapaz prestou atenção mas não a que
ela queria. Além disso é mandão. Europa perdeu a cabeça e resolveu mostrar o
seu poder. Escolheu dezassete zonas do corpo que considerou estratégicas e
obrigou-as a trabalharem juntas, como se fossem uma só, pensando que assim iria
impressionar o seu amor.
Mas o malvado do Estados Unidos quer
é catrapiscar a China, outra filha de Ásia, mais velha que Europa mas dotada de
uma aparência enganadoramente jovem. Parece estar na força da vida e o rapaz
ficou encantado.
Entretanto o hercúleo esforço deu
cabo de Europa. As costuras das cirurgias deram de si, já nada está no seu
lugar, toda ela uma desgraça.
Esquece, Europa. Não sejas glutona e
controladora. Deixa o tempo marcar-te, aprende com ele. Deixa o teu corpo em
paz.
Um poeta enorme já nos revelou que o
rosto com que fitas é Portugal. Não desfigures esse rosto, não aprisiones os seus
olhos. Eles querem continuar a namorar o Atlântico, esse que nos apresentou o
Índico e o Pacífico. Os teus olhos querem, livres, navegá-los.
Leonor Martins de Carvalho
quarta-feira, 2 de maio de 2012
SUPREMOS GOZOS DO BLOGUE
Um blogue pessoal permite que estejamos sempre a usar a palavra «eu», quebrando todas as regras protocolares da escrita literária, sem que ninguém tenha nada a ver com isso.
NOVOS MEIOS — OS MESMOS GRANDES PRAZERES DE SEMPRE
Sirva o telemóvel — através das mensagens por SMS — para devolver às pessoas o nobre gosto da comunicação escrita em estilo epistolar e estará justificada a sua existência para a posteridade.
PEQUENOS GESTOS QUE SÃO GRANDES PRAZERES
Muito gosto eu de escrever a primeira mensagem de cada mês. E porquê? Porque ali ao lado, em baixo, no arquivo, aparece o nome do respectivo mês, com o correspondente ano e tudo. A sensação é melhor do que a de atirar-me de caneta em riste a uma página em branco e caligrafar nela as primeiras palavras — indicadoras de local, data e assunto — com a minha querida caneta-de-tinta-permanente. Eu diria que me dá tanto prazer como abrir as folhas de um livro antigo com a velha faca de prata de cortar papel que tenho para o efeito. Bem sei que isto não faz muito sentido, de um ponto-de-vista meramente lógico, mas é assim mesmo.
terça-feira, 1 de maio de 2012
UMA DAS MANIAS MUITO MINHAS
Mais do que ver os jacarandás em flor no mês de Maio, em Lisboa, confesso que tenho um especial prazer em esperar por Junho para poder finalmente passear sobre os tapetes de cor azul-lilás feitos das suas flores caídas.
MANUAL DE INSTRUÇÕES
Aos que só agora aqui chegaram, faço notar que há um arquivo, disponível na base da coluna lateral, que podem usar para se porem a par das minhas divagações em linha. Não é que haja um fio condutor nesta minha aventura pública, mas sempre ajuda começar do princípio o que quer que seja. Por outro lado, devo explicar que só insisto nestas chamadas de atenção — desnecessárias para frequentadores habituais da blogosfera — porque já percebi bem que a larga maioria dos visitantes deste lugar não tem o hábito de ler blogues.